A dor que desatina sem doer
- CADRINE
- 17 de jun. de 2021
- 6 min de leitura
17 de julho de 2021 às 00:28
Adiei o inadiável, o máximo que pude, com todas as desculpas e bugs que encontrei no meio do caminho. Sinto que isso em mim não foi embora, está aqui ainda, estou aqui e se estou aqui é porque existe em mim esse lado, uma parte que conscientemente assume pelas palavras as coisas ruins. Não queria estar, pois estar aqui significa que algo de ruim tem acontecido, tão ruim a ponto de me fazer remoer e sobrecarregar cada palavra nesse papel, se foi necessário estar aqui foi por meio de dor, e eu preferia que não estivesse doendo.
Só de pensar em tecer meus fios de amargura sob o papel me desce um embrulho no estômago, tal qual uma ardência nos olhos, a súbita vontade do clarear vazio, mas nada está claro ou nem mesmo por quê. Habita em mim, na pequenez das coisas incômodos, paredes arranhando que me fazem sentir a pele arrepiada.
Não é sobre grandezas, nenhum barco afundou e ninguém invadiu minha casa, são apenas esses pensamentos seguidos de sentimentos inertes que transitam entre tudo o que faço e como me sinto, é apenas um boicote? E porque tanto me incomodar sentir sobre isso, sobre tudo? Não é o que dizem? “Seja humano, se permita ser você e sentir sobre” e se sentir sobre tudo seja um fardo pesado demais que minha mente não possa comportar?
Estou aqui porque não sei como prosseguir, é aqui que posso admitir minhas dúvidas sobre as pessoas, nem no meu campo mais seguro, nem aparentemente blindada de amor, nem assim estou 100% segura de mim. Eu poderia simplesmente dizer “é isto” que me incomoda, mas nada pra minha mente é direto e objetivo, há sempre um traquejo, um arrodeio que me cansa, porém necessário.
Ao sentar-me aqui para contar a mim mesma o que me ocorre de dentro pra fora, eis que me vem toda aquela vontade de chorar, e ainda permanece, desde a primeira linha até essa que vos escrevo, eu reconheço essa fase, só me nego a estar nela de novo. Quando me enche os olhos d’água por qualquer traço não linear de sentir, quando me pego pensando se sempre vou retomar ao ponto de partida, será de fato que algum dia sequer me opus a sair dessa armadilha? Posso ter estado em uma negação tão profunda por longos meses que nem me dei conta de quanto tempo fiquei longe de mim.
E eu que pensei que seria breve a minha estádia por aqui, já fazem minutos que arrodeio para ter que dizer o obvio, há algo que me incomoda e que não sou capaz de lidar, pois não depende necessariamente de mim, e tudo que não depende de mim me causa uma ansiedade, um temor grande, principalmente quando paro pra ver que a forma como o outro me trata é dolorosa.
Tem sido doloroso não poder dizer que dói, não por conta da quebra de silêncio, pelo simples fato que eu já disse tanto que dói, e mesmo nas outras vezes tudo foi ignorado, como um trem sem destino e sem curvas, no caso a linha que ele perpassa sou eu, meus sentimentos. Ficar de frente para o penhasco e desafiá-lo é burrice ou coragem? Hoje tomei uma dose de cada, não sei se na proporção correta, fui burra porque me deixei ser passada, me deixei ser insegura e passível de enganar. Mas há algo em mim que diz “não seja tão rígida com as pessoas, elas estão aprendendo”. E também fui corajosa por tentar perceber que de fato as pessoas merecem novas chances, mas até quantas chances dispor para cada pessoa?
Dessa vez não vou me vitimizar, não vou explanar, vou sofrer as consequências sozinha, ninguém além de mim pode dar ponto final a partida desse trem louco que me arrisquei entrar. Se isso vai me destruir um pouco? Não sei, talvez eu destrua algo que demorei meses ou anos para construir, ainda não sei, não sei se isso vai me enrijecer ou me fortalecer, é preciso ir até o penhasco para que eu saiba como me senti nele.
O que eu de fato queria era me jogar nisso, me jogar sem consequências, sem pensar se devo ou não devo ser responsável afetivamente, sem contabilizar quantas vezes vacilar e quantas vezes eu vou lá para perdoar, eu só queria curtir o momento e nutrir as coisas boas, eis que pessoas não são só coisas boas a nos oferecer. Eu queria curtir a pessoa, me entregar, contar de mim, do que me fortalece e dos meus pontos fracos, mostrar toda a minha família, e a fazer parte dela; assim falando desse jeito pra mim tudo pareceria tão puro e genuíno, sem medo de falar, sem medo de conversar. Mas olha só, nem eu fui honesta o suficiente comigo nas ultimas vezes que me encontrei conflituosa com alguém...
Não é de mim o dizer seco, ríspido, sem a menor emoção, e quando faço uso disso é como me apunhalar; não ser honesta em pensamentos e sentimentos me faz retroceder. A raiva faz com que eu não queira ser honesta com meus sentimentos, como se eu pudesse apaga-los, mas eu vou ter de lidar com eles em alguma hora ou em algum momento. Tenho evitado dizer com todas as letras em voz alta que algo que já me machucou pode estar repetidamente a me magoar, se devo proceder ou me arremeter, acho que prefiro apanhar, confesso que é na dor que me encontro.
Há algo intragável na garganta, que faz as mãos suarem, o pensar passa longe, um conflito de saber e não saber como tudo está, daquelas coisas que te faz chorar do nada, que pesa teus ombros e nem sequer te permite sentar para trabalhar, por mais que sejam erros bobos e passíveis de correções eles te propõem essa amargura sem fim. A lástima é tanta que nem mesmo o tempo tem passado, parece que tudo parou para que eu pudesse digerir isso, a menos que eu tenha sido engolida por todo esse pavor, por toda a tremedeira, a taquicardia, por todo o suor frio e enrijecido.
Hoje quis me resguardar para não ser influenciada ou acometida por mais coisas que me levassem ao fundo do poço, procurei refletir sobre minha postura isenta ou assertiva demais, perante o meu silêncio senti manifestações de “hoje não é um dia bom” mesmo que nada tenha sido dito em palavras, as minhas expressões ou a falta delas entrega muito de mim. Veja, não posso fugir do que eu sinto, mas sempre o que eu sinto seja sendo justa ou não sou taxada de vilã.
Já vi tantas narrativas em que por mais boa ou generosa que eu fosse ainda assim eu seria repetida vezes acometida pelo papel de má, como se tudo em mim fosse revertido em minhas ações ruins, ou nas escolhas erradas que optei por fazer. E mesmo que eu preze por um senso de justiça inigualável sou engolida pela justiça dos outros, de tudo de bom que faço pode sempre se transformar no primeiro erro cometido. Durante toda uma vida fui posta nessa categoria, no pata-má-r de errada não importa quão boa eu seja perante o contexto, sempre oferecer tudo de bom de mim me desgasta.
Fazem anos que não passo por esse calor súbito, perigoso, tempestuoso que me leva a pensar em desistir; fazem anos desde a ultima vez em que me questionei sobre mim, dói tanto estar aqui frágil, insegura e vulnerável, sem que um colo possa me conter durante o choro. Dói não me sentir bem dentro de um abraço, dói pensar demais a respeito de tudo e também dói apagar meus pensamentos para que eu me torne um robô. Não seria eu se eu não fosse assim. Eu quis procurar uma versão nova de mim, na qual eu não tenha que me culpar por ser tão reflexiva, ou que minhas reflexões me façam tremer o dia todo em um vazio desgastante do emocional acabado.
Escrever é minha droga, odeio precisar dela para me entorpecer dos sentimentos ruins. Estar tão fodida a ponto de precisar tampar buracos com algo que os faça doer mais, tem sido assim. Deveria ser bom, deveria ser um hobby, eu deveria nem precisar estar aqui, eu não queria estar aqui nesse momento, para não externalizar, não verbalizar e não sentir. Mas a cada vez que me oponho em ser forte mais ainda me enfraqueço, pareço mais quebrável e maleável, tudo me afeta, tudo me magoa, tudo me transtorna.
Sob uma dor não tão facilmente esquecida teci em palavras as coisas ruins que me abrandam o peito.
Comments