Como quem, Clarice?

Queria te dizer que não preciso ser como as outras, com aquela necessidade insana de provar que tá tudo meio mal e perdido, é justamente o contrário. Eu quero sempre abraçar o mundo com as pernas e fingir que aguento todo esse peso de boas, mas na verdade eu gosto de ler as pessoas, e também que elas sejam capazes de me decifrar, de acompanhar meu ritmo, de ler meus olhares ácidos e frios. É, eu sei, as pessoas mal reparam nos rostos umas das outras, é tipo missão impossível, mas essa esperança fútil não morre.

Outra parte de mim odeia que eu sempre escrevo sobre isso com o mesmo ritmo e entonação, com a mesma perdição e delírio de sempre, de quem vai abandonar o barco por ser incompreendida pelos outros. Seja pela forma como não me veem, ou pela maneira exata que optam por me enxergar sempre do mesmo modo, da maneira que opiniões alheiam criaram para mim. E isso extingui todas as mais diversas facetas que eu posso ter, e nem eu sou capaz de dizer o que eu sou, ou quem eu quero ser, é algo em constante construção.

Eu até invejo as pessoas que dizem com propriedade exatamente aquilo que elas são, médico, engenheiro, professor ou assistente social, só sei que quando possuo a necessidade de transcender eu só escrevo, tudo o que sei sobre mim é que sou organizado, determinado como uma máquina, capaz de ficar 36 horas comprovadas sem dormir, tolerante a drogas como café e chá, de nada me atinge e concerne a fortaleza batalhadora que criei desde os 9 anos. Eis que sei ser tudo que me pedem para ser: analista, secretário, professor, cientista, contador, idealizador, até que me peçam para ser o eu-escritor, e ainda assim não deixarei de ser eu. Serei tão eu, que aqueles que souberam ou imaginaram conhecer algo que já fui não reconheceram quem sou hoje.