DEUSA DO TEMPO E DA SEDUÇÃO
- CADRINE
- 14 de abr. de 2019
- 3 min de leitura
Era mês das noivas, havia festa, mas não era casamento, havia amor, mas não era noivado, então eis que uma grande presença tocou ao meu ombro e disse, que a profecia estava chegando ao fim, os doces foram muito bem apreciados, mesmo que por todas as refeições deste fossem os últimos, havia música boa, havia bolo de abacaxi, alguns sorrisos tímidos e belas palavras a serem ditas, estavam ali as mais essenciais das pessoas e das coisas que precisavam estar. Depois disso todos se retiraram, fora uma noite e tanto, até quem não queria atirou-se para as fotos, e foi então ali registrado tudo por amor, alguns dias depois uma convidada que jamais seria chamada, entrou sem bater ou pedir, deu-me um presente na festa que acontecerá, mas agora aquela ludibriante deusa de sedução queria o que era seu, e assim se fez, a levou e a tomou. Aquela festa entrou para a história como as últimas lembranças de um certo alguém, tocado pela deusa do tempo.
Recheados de dor, se despuseram a lutar contra tudo para honrar seu nome como deveria ser honrado, durante quase um ano não muito citada, mas sempre lembrada, carregada no peito de alguns e emoldurada na sala de outros, e quanto a mim? Eu a quis tanto ver, e dizer que nas demais noites, nas trevas e nas chuvas, nos domingos de roda-roda, nos princípios e nos ditados que eu dizia por ai, lá estava ela, mais viva para mim do que antes. E eu continuei por meses e meses a fazer o que ela fazia, a chorar por ter que fazer, e lembrar fazendo, chorei porque eu sabia que em certos momentos ela, tão sendo ela, como só ela seria capaz de intervir, ou de deixar a espera o meu prato, mesmo que frio ou tarde, seu amor estaria ali a minha espera.
E mesmo com as noites e os dias se passando, eu ainda consigo imaginar as milhões de coisas que jamais aconteceriam se aqui ela estivesse, e se aqui ela estivesse não haveria este castelo de ruínas verdes desabando sobre nós, não haveria uma cama, não haveria moto alguma por aí, não haveria os impudores que cometi, não haveria a fome quando eu chegasse em casa sem nenhum tostão, nem mesmo as roupas espalhadas por dias e dias no sofá, meu deus, isso jamais aconteceria, também não haveria um ano sem ir contemplar o chão de barro do sertão, ou minhas comidas gordurosas por toda e qualquer hora. E por meses e meses eu poderia descrever tantas coisas que a deusa do tempo roubou de mim, e agora para onde vou? E agora o que vou fazer se não há mais bolo, ou festa, se não há de modo algum amor, se não há conversa, nem roda-roda, se há tanto tempo não ligo a tv para assistir nossos programas, tudo o que há aqui não me lembra você, tudo o que há aqui é o que ela odiaria, tudo que há aqui são dois seres perdidos na linha do tempo que são obrigados a tomar decisões apressadas e precipitadas de se jogar no grande penhasco que é viver a dois, selados por uniões estáveis que tem tudo para serem instáveis pela pressa acometida de um pai sórdido.
Tudo que tem aqui não remete aquela que amou incondicionalmente com alegria, tudo que tem aqui é pecado, é desespero, é culpa, tudo que tenho aqui para você é a denúncia de um pai qualquer que expulsa seus filhos de casa para amar Marcela por 15 meses e 11 contos de réis.
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