Do avesso ao vazio
- CADRINE
- 22 de jan. de 2019
- 8 min de leitura
Atualizado: 26 de jan. de 2019
Um grupo de jovens vive em um lugar distante onde são obrigados a se aceitarem e sofrerem processos doloridos de mudanças, onde acabam se descobrindo e se aliando para além da dor que os uniu.
Poucas pessoas tem a oportunidade de sentir aquele vento batendo contra os cabelos que não te deixa nem pensar direito só por estar ali, e isso é que é o bom, essa incapacidade de pensar coisas externas e focar no momento, e mais poucos momentos ainda foram os que eu vivi assim aproveitando a vida sem ter que pensar demais. Há um ano atrás eu nem podia ver o pôr do sol direito, o sinal de recolher sempre me impedia de ver o sol indo embora, eu ainda tinha a esperança de ir embora igual o sol, pelo menos um de nós podia ir, mesmo que ele voltasse sempre para o mesmo lugar, em todas as estações, a sua partida é daquelas que fazem as pessoas parar e sentar na areia, ou se encostar na janela só pra ver ele passando.
Como eu sempre quis fazer ao voltar pra casa, ser como o sol, como se todos reparassem em mim. Não pedia flores ao voltar, mas que me achassem mais brilhante que o sol, e mesmo que eu seja muito branco realmente aplaudia o sol com todas as minhas forças, e segui-lo foi o meu sonho por um ano. Vitor havia fugido alguns dias antes de nós sairmos, foi uma bela coincidência todos os amigos que eu fiz saírem na mesma semana que eu. Já era de se esperar que alguma coisa o Vitor iria aprontar, ele sempre foi o mentor das loucuras que fazíamos e quando ele chegou com uma chave para me dar, eu soube que algum mistério nós íamos ter que desvendar.
A chave era de uma moto, não sei como, mas ele conseguiu uma Roadsters, ainda me disse que era própria para a aventura que precisávamos ter. Durante um bom tempo eu não tinha nada disso e uma moto era bem incomum pra mim, passar um tempo com o Vitor, Liza, Robert e os demais me fez perder o medo, algumas pessoas que me visitavam me disseram que eu estava lá porque eu tinha medo de mim mesmo e do que eu podia fazer com as pessoas, sabe isso me fez passar muitas noites em um vazio completo, como se a solidão morasse dentro de mim, e eu também sabia que essa seria a oportunidade ideal para me libertar do medo, já que a Doutora Cameron estava repetidas vezes me dizendo que o medo tem que ser trabalhado para que possamos nos livrar dele somente depois nos libertarmos por fim deste. Eu também não entendi de primeira, mas aos poucos eu me deixei descobrir sozinho, e agora eu meio que não sou mais louco, não como antes, no fundo o medo só é uma desculpa para não mudar e por menor que seja a mudança nos assusta, pensamos que só por mudar o sabor do sorvete vamos acabar mudando de família ou de país, chega, já deu de pensar e pensar, lá naquele lugar escuro eu só fazia isso e todos os meus amigos me dizem para não repetir mais, só assim meu corpo vai flutuar sem chance de se afogar, bem não fui eu que criei essa frase, quem realmente é boa com as palavras é a Liza, eu ainda não sei como ela veio parar ali, ao contrário de mim, ela consegue pensar bastante coisas boas, e as palavras fluem da boca dela com facilidade, por isso quando eu tinha dificuldade em me expressar ela sempre me ajudava, só que no começo nós não éramos amigos e no final eu quase acabei com vergonha de assimilar palavras com o seu nome.
Nessa bagunça toda de pensar e pensar, acabei me esquecendo do Robert, já que acabei descrevendo qualidades de todos a do Rob com certeza seria a agilidade, eu aposto que sua rapidez em fazer tudo conquistou muitas garotas aqui fora, mas isso não adiantou para mantê-lo bem, parece que as coisas na sua casa não iam bem desde o irmão mais velho sofreu um acidente e morreu, foi isso que o trouxe até aqui.
Voltando a noite em que a maioria de nós foi liberada e uma minoria que usa hidratante para cuidar dos cotovelos fugiu, marcamos de nós encontrar na frente da casa de Liza, era uma casa moderna, bastante moderna para suspeitar que seria da mesma pessoa que passou 3 anos internada em uma clínica psiquiátrica, aquela pessoa que eu conheci lá dentro não se ajustava nem um pouco com uma garota com muita grana, por um ano dividindo a gelatina com ela seria fácil a imaginar fugindo desse lugar.
Quando eu cheguei Vitor conversava com uma pessoa desconhecida, e como nunca fui muito bom em me apresentar as pessoas preferi cumprimentar Rob e perguntar como havia sido sua volta para casa, mesmo que tenham se passado 8 horas que estávamos cada um nas suas respectivas casas e não no lugar vazio. Ele falou que quase tudo correu bem, só não esperava que seus pais tivessem se separado e agora seu pai estava saindo com uma moça quase que da sua idade, soou como um impacto bem grande, ele ansiava o tempo todo no lugar vazio que pudessem ser uma família feliz, não aguentaria ver sua mãe tentando culpar seu pai por ter bebido na noite do acidente, já seu pai não queria olhar na sua cara por sempre lembrar do irmão mais velho que parecia com o mais novo, estar em casa de novo e se deparar com isso seria um pesadelo que talvez ele conseguisse sair. Sempre que um de nós tinha uma recaída a Doutora Cameron pedia a nós que tomássemos cuidado para não machucar um ao outro, pois em momentos de nervosismo todo cuidado consigo mesmo era pouco e mais ainda com quem ficasse ao nosso lado, por vezes tentei entender isso como algo que ajudasse a nós mesmo, no entanto tudo isso no começo soava mais como um '' vocês juntos podem ser perigosos, tenham cuidado!'', no fundo eu sabia que sim era exatamente essa a mensagem e que ela também estava certa sobre sermos perigosos, agora com clareza eu consigo me lembrar de muitas coisas ruins que passei e fiz todos a minha volta passar, e quando acontecia eu queria sair pedindo desculpas a todos mesmo sem entender o que eu tinha feito, foram tantas e tantas vezes assim, em casa, no colégio, entre os meus amigos de fora e com eles lá dentro, a Doutora me fez entender que nem tudo se resolve com desculpas, e que a melhor desculpa que eu podia dar à alguém era não repetir o erro de antes.
Aquele lugar vazio foi difícil de encarar, entretanto foi lá que eu consegui entender muito do que se passava comigo, enquanto eu estava lá meus amigos me ligavam, era raro, pois eu havia machucado muitos deles antes de chegar ali e os poucos que me ligavam acabavam soltando que também tinham um lugar vazio dentro de si e isso me pertubava a noite como um fantasma.
Eu tinha sempre a sensação que precisava dar um jeito para salvá-los, não queria conviver a todo instante com o fato de que mais pessoas alimentavam vazios dentro de si, no começo de tudo foi assim comigo, aos poucos fui me sentindo vazio e solitário, até que vim parar aqui, por já não suportar outra coisa senão o vazio por completo. A maneira que encontrei de não deixar que acabassem como eu foi orando por eles, em silêncio eu orava cada vez mais para que eles parassem de se sentir sozinhos, vejam eu, eu estava só fisicamente, mas na minha cabeça habitavam almas perdidas cercando e levando os meus pedaços que haviam sido abandonados por tantos alguéns. E isso era o que eu não desejava para os meus amigos.
O rapaz que estava com o Vitor dirigia um carro eu pude perceber pois tinha uma chave em suas mãos, não tive a menor chance de relacionar onde a moto entraria nessa história maluca, mas aos poucos eu percebi as alfinetadas de Vitor e Rob para apressarmos as coisas. Foi então que eles partiram deixando-me a sós com Liza, pelo visto essa sempre fora a intenção, desde o princípio e eu tinha que ir de acordo com o plano deles, aliás prometi a Doutora Cameron e a mim mesmo que eu iria conseguir me libertar desse meu eu tão medroso, Liza sugeriu que fossemos a um mirante, segundo ela não demoraríamos mais que uma hora para chegar e naquela moto seria bem depressa, confesso que fiquei quase me tremendo de medo de levá-la comigo, pois eu nunca tinha dirigido uma moto daquelas e minha experiência com veículos locomotores eram quase que um desastre, acabei deixando isso tão evidente que ela me deu umas dicas e com esses toques agora sim podíamos partir.
No início foi um misto de preocupação com adrenalina, mas então eu senti os braços de Liza rodearem minha cintura ao longo do tempo em que eu aumentava a velocidade, junto com o vento batendo em meu resto, eu jamais pensei que seria assim o meu primeiro dia longe daquele lugar ruim, e tive que agradecer muito ao Vitor por me trazer algo tão desconhecidamente bom.
Mas o lugar ruim não era onde estávamos, o lugar ruim era onde e como eu me sentia, preso e acorrentando a quem eu sempre fui, ao que eu sempre fazia e Liza me deu confiança para mudar, para encarar meu medo idiota de arriscar, não era mais sobre o vazio que um dia eu senti. Agora era sobre como eu iria preenche-lo, havia tanto a ser feito e mudado que meu coração tremia forte por isso, chegou a vez de deixar os vazios para trás...
Antes do lugar ruim
A professora disse: - Noah, acorda! Você está bem? Parece que está suando frio.
Enquanto ela falava isso minha cabeça girava como se alguém fosse me arremessar dali a qualquer instante. As palavras que fluíam da professoram me deixaram com mais dor de cabeça.
A professora disse: - Peçam ajuda, ele desmaiou. Andem, logo!
Fui levado para a enfermaria do colégio, o médico fez o que pôde por mim, mas os meus batimentos cardíacos estavam muito acelerados, então tive que voltar para casa. Ai estava o problema, a minha casa não era bem o ambiente de segurança que todos interpretavam que devia ser, tinha dias que eu não suportava acordar e ter de ficar em casa, por isso eu entendia muito bem ao Rob, nessa fase difícil o lugar que eu menos vivia era na minha própria casa. Mesmo assim eu fui, e quando cheguei a diretora já havia ligado para a minha mãe falando sobre o ocorrido, aparentemente eu tinha uma família normal, um pai e uma mãe, eles eram casados a muito tempo, mas isso não indica que eles são felizes por todo esse tempo, é o que acontece na maioria das famílias.
As coisas iam bem até que eu cheguei aos 15, meus pais sabiam que eu nunca fui um garoto comum, eu não costumava sair muito e nem ir a festas populares naquela idade, e era nessa idade que tudo começava, pelo menos é o que as pessoas dizem, mas eu nunca me importei, os meus livros eram mais importantes, preferia gastar meu tempo estudando e fazendo pesquisas sobre a história antiga. Eram poucos, mas eu tinha amigos, mais especificamente dois, o Greg e o Josh, nós estudávamos juntos e nos fins de semana íamos para a floresta perto do lago, era lá o nosso refugio onde jogávamos xadrez e apostávamos nossas cartaz de yu-yang-yo. Nem de longe os garotos comuns da nossa idade faziam isso, só pelo fato de sermos minoria eles viviam nos ameaçando, nos corredores do colégio, nas aulas de educação física e até no fliperama.
A floresta era nosso único refúgio, no entanto esse nosso segredo não durou muito tempo,
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