A Representação do Homem na obra "Caminhos de Pedra''
- CADRINE
- 30 de ago. de 2019
- 10 min de leitura
Caminhos de Pedra é uma obra de Rachel de Queiroz, pertencente a geração de 30, construída sob o viés político nasce o romance de Noemi e Roberto.

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo fazer uma breve análise acerca da representação do homem, encaixando-o nas tendências sociais e críticas da literatura da geração de 30, perante a obra “Caminho de Pedras”, da autora Raquel de Queiroz (1937). Queiroz trata do homem em abordagens e vivências distintas capazes de se interligarem de uma maneira bem diferenciada. Autores como Muraca (2017), Karl Marx (2005), Chauí (2006) e Aristóteles (2004) servirão como base para esta análise. Com o trabalho foi possível refletir sobre como o homem é abordado de maneira tão peculiar nas trajetórias diversas.
Palavras-chave: Representação; Homem; Literatura.
INTRODUÇÃO
A obra é uma narrativa curta que apresenta um número limitado de personagens, e busca discutir a luta do proletariado perante o cenário político da Ditadura Militar, em que Getúlio Vargas dominava o poder. Observou-se que o caráter dos personagens corresponde a um papel simbólico e social, característico dos romances da geração de 30. Com o intuito de discutir e debater as questões sociais, Raquel de Queiroz traz em primeiro plano um triângulo amoroso e em segundo plano lida com o contexto revolucionário bem dosado.
Inicia-se a discussão utilizando Muraca (2017) para contextualizar o cenário social em que se desenrolaram as mudanças de uma literatura sócio crítica e para esclarecer os traços marcantes dessa; já Aristóteles (2004) justifica as ações do homem como um animal político. Com base nos autores, divide-se a representação do homem em duas categorias de análise, a fim de explorá-los de acordo com o contexto em que melhor se adequam.
O trabalho abordará de forma breve como o elemento contexto histórico interfere nas nuances políticas que delineiam a figura do ser humano nesta comunidade, ao mesmo tempo em que se revela nas entrelinhas o tema desigualdade. Ainda, ao discorrer sobre o papel social e político do homem, adotou-se Marx (2005) e Chauí, (2006) que ressaltam as lutas de classes recorrendo a diversas vertigens de cunho socioeconômico e filosófico ao longo dos anos.
1 MATERIAIS E MÉTODOS
A pesquisa é de caráter descritivo, analisa e especifica a representação do homem que compõe a obra conforme o contexto da geração de 30. É qualitativa, pois lida com conceitos e ideias. O questionamento que norteia essa pesquisa é: Qual a representação do homem na temática modernista da geração de 30?
De modo a alcançar o objetivo do trabalho, utilizou-se Muraca (2017) como aporte teórico para discorrer sobre a literatura do romance da geração de 30 e relacionar com os traços característicos presentes no livro de Raquel de Queiroz. Para realizar a representação do homem, recorreu-se aos estudos de Aristóteles (2004) e Karl Marx (2005), com o intuito de expor a influência sócio-política no homem.
Por fim, temos a combinação da escolha dos materiais e respectivos métodos para melhor conduzir uma linha de raciocínio. Serão explanadas análises de elementos muito representados no texto, a fim de surtir uma reflexão no leitor.
2 RESULTADOS E DISCUSSÕES
2.1 O CENÁRIO SOCIAL E POLÍTICO
De acordo com Muraca (2017), para refletir a respeito da representação do homem na obra Caminho de Pedras, de Raquel de Queiroz, o cenário construído pelo lócus da praça do Ferreira, logo no início da narrativa nos denuncia um espaço social tipicamente brasileiro, mais ainda quando se trata das terras cearenses, desempenhando um papel importante sobre a função do homem como um ser político. Segundo Muraca:
No que tange à descrição da diferença em seus vários planos, não poderia, pois, haver ambientação melhor para o narrador de Caminho de pedras do que a praça central de Fortaleza onde militantes comunistas se reúnem sorrateiramente em meio a moças burguesas “pintadas e gingando os quadris”. A princípio, essa futilidade revelada sob o ponto de vista do esquerdista Roberto põe em confronto uma parcela inconsciente da população que se ajusta à modernidade capitalista e um grupo consciente das aporias sociais que tem em vista a revolução socialista. A praça, portanto, é também o lugar da resistência e não só do passeio. (Muraca, 2017)
Na construção temática, o ambiente retratado pelo narrador diversas vezes volta-se para os comícios que ocorrem na praça, até mesmo as prisões que são feitas durante a luta que Roberto propõe quando chega a Fortaleza, voltam-se para o lócus da praça do Ferreira. Durante a história, o narrador observador e onisciente busca focar em dois aspectos que circundam a trama. Em primeiro aspecto, é abordada a representação do homem e suas relações amorosas, como o triângulo amoroso entre Roberto, Noemi e João Jaques. Já em segundo aspecto, Queiroz privilegia a luta da classe proletariada em um plano de fundo forte e consistente para suas personagens.
1.1 O HOMEM COMO UM ANIMAL POLÍTICO
Perante o contexto acionado na história desenvolvida por Raquel de Queiroz,u vemos de modo perceptível a não aceitação de Roberto por seus colegas da organização política, isto perdura de maneira tão forte que a desunião de todos remeterá a uma desfacção da organização no futuro. Um dos motivos pelos os quais Roberto é rejeitado por alguns de seus colegas são suas qualidades burguesas, que exceto Felipe ninguém mais no grupo chega a ter estas oportunidades.
Pelo o que entendi, o companheiro. Roberto traz autorização para fundar uma Região aqui. O companheiro Roberto, apesar de não ser propriamente da nossa classe, é um rapaz sincero; mas os companheiros, depois que ele falou, ficaram calados, como desconfiando. Eu creio que assim não se faz nada. (QUEIROZ, 1979, p. 9)
Percebe-se o desentendimento de Roberto com seus colegas logo no começo, pois o personagem Vinte e Um recusa-se a ter contato e trabalhar na organização com o mesmo. Os pequenos traços de subjetividades apresentados no livro desembocam para uma reflexão a respeito da crítica a desigualdade inserida no sistema capitalista. No contexto narrativo, a organização partidária possui uma subdivisão entre “operários” e “intelectuais”, estando estes em um lugar social diferente do lugar de outros. O que está em jogo nesse acordo que proíbe um membro de uma “classe” da organização cumprimentar o outro é a suspeita que tal ato levantaria entre agentes da repressão governamental em função da segregação social.
Nesse aspecto de segregação social por parte de uma subdivisão, observamos como o homem é representado por Rachel de Queiroz nestas duas visões, primeiro o homem como um ser das minorias, parte do descaso e da miséria que o assolam, retratado como um verme da sociedade. Em segundo momento, temos o homem que possui saber, conhecimento e faz uso dele para chegar ao poder. Ou seja, nessa sociedade onde a praça é de “todos” ainda há uma segregação pelo o fato de que uma classe não se relaciona com a outra. Isto é posto na obra quando Vinte e Um, homem negro e operário – nome sugestivo a marginalização - se recusa a ter Roberto como um amigo, por ele ser um jornalista branco, ainda que ambos lutem e busquem pelas mesmas conquistas ideológicas e enfrentem dificuldades econômicas semelhantes.
À vista disso, estão embutidas questões que enlaçam desde a cor da pele até mesmo a divisão a respeito do trabalho, tanto quanto o lugar social que cada um ocupa. Tudo ocorre em articulação à própria divisão partidária estabelecida dentro da organização na qual possui um lema de união que desde o início da trama que não faz jus a categoria de igualdade.
Em primeiro aspecto, analisemos a representação de Roberto como um homem alfabetizado, que possuiu acesso à educação e oportunidades únicas, até mesmo para sair do Rio de Janeiro e ir chefiar a organização no Ceará. Para Aristóteles, o homem é um animal político, que necessita estar inserido em uma cidade enquanto sociedade política, pois, para ele, a única forma de realização da natureza humana é na vida social.
Todavia, é deixado em evidência pelo narrador a desigualdade presente entre os dois subgrupos da organização política, onde o resultado proposto para isto é fragmentação e conflito de poder, isso se converte em violência verbal, insultos, rebaixamentos e uma disputa incessante para provar quem é o mais proletário do grupo. Assim como Vinte e Um, Samuel, o judeu é caracterizado de acordo com aspectos físicos (“de pele cor-de-rosa como criança e cabelo de fogo”) que de imediato são sugestivos ao seu caráter físico de estrangeiro, atenuando ainda mais a desigualdade presente no grupo. Isto vai sendo feito com os demais personagens, em que aspectos físicos designam a sua imagem através da visão do narrador, Muraca (2016) discorre a respeito desta mistura abordada no livro:
É como se o produto dos distintos elementos físicos que se misturam não fosse plenamente harmônico, refletindo, no plano da narrativa, a organização partidária fragmentada cujos membros não se entendem. No plano social, esses sujeitos se inserem como partículas de uma sociedade híbrida, aparentemente não idealizada pelo narrador, uma vez que a miscigenação, assim como a presença do estrangeiro nela, não revela um entendimento, mas antes um conflito meio velado que se desloca da raça, etnia e do fenótipo do miscigenado à função trabalhista e visão de mundo do indivíduo. (Muraca, 2016)
A vista do que Muraca menciona é perceptível à fragmentação em que os membros da organização se opunham decorrente da miscigenação a que cada um deles é exposto. Conforme Fiorin (2009) a busca da igualdade dos homens se faz por meio da mistura, ou seja, da miscigenação das raças e dos indivíduos, para uma passível compreensão. De modo análogo a obra de Queiroz há um embate social e político do homem para com o próprio homem, seja nas relações de poder político, como ocorre com as desavenças entre Vinte e Um e Roberto, seja com a relação amorosa de Noemi, João Jaques e Roberto.
1.1 PAPEL SOCIAL DO HOMEM
Se o filósofo Aristóteles compreende o ser humano como um animal político-social, Karl Marx (1818-1883) o compreende como ser histórico, social, teleológico e que se constitui pelo trabalho. Isso porque o ser humano não pode ser privado de estar em sociedade e assim deve participar ativamente do grupo social que está inserido, uma vez que, as relações sociais são interligas as forças produtivas e econômicas, e sendo as mesmas determinantes na vida da pessoa e na sociedade. Na obra isto se aplicar ao papel social de todos os indivíduos desde o protagonista Roberto até ao judeu Samuel. Para Rachel de Queiroz, Samuel é colocado sob o viés social de um profeta judeu que já vivenciou o comunismo.
A luta de classes estabelece uma função importante, para Marx o trabalho dignifica o home, é o único meio de moeda de troca para sucumbir as suas necessidades humanas. Dessa maneira, o indivíduo passa a compreender o seu papel de animal/ser político e mesmo que se considere como apolítico, ele se posiciona politicamente, isso influenciado por ideologias e políticas vindas de outras influências históricas e sociais dominante, como bem demonstra Chauí:
O que torna possível a ideologia é a luta de classes, a dominação de uma classe sobre as outras. Porém, o que faz a ideologia ser uma força quase impossível de se atingir e ser destruída, é justamente o fato de que a dominação real é justamente aquilo que a ideologia tem por finalidade ocultar. Em outras palavras, a ideologia nasce para fazer com que os homens creiam que suas vidas são o que são em decorrência da ação de certas entidades (a Natureza, os deuses, ou Deus, a Razão ou a ciência, a sociedade, o Estado) que existem em si e por si, e as quais é legítimo e legal que se submetam aos mesmos. (CHAUÍ, 2006, p. 87).
Assim pensam os componentes dos subgrupos “os tamancos” e “os engravatados” que sobrevivem para manter de pé a ideologia da luta de classes, a procura de perspectivas e melhoras de vida advinda do poder político e público, para isso travam lutas atrás de lutas a fim de que possam atingir seus objetos pessoais e políticos. Uma vez que, tais manifestações, opiniões, posicionamentos e afirmações não políticas podem ser uma construção ideológica estruturada em direcionamentos à alienação política do indivíduo-pessoa, bem como de boa parte da sociedade.
Por tais motivos Marx procurou nos demonstrar que, “o homem enquanto ser social não pode de forma alguma desconsiderar e ignorar a efetiva presença das ideologias e das classes sociais. ” Marx materializa a concepção das ideologias das classes dominantes, que seria incorporada pelos “engravatados” através de seus aparelhos ideológicos de alienação e reprodução do pensar ao modo dominante – a persuasão e o acesso ao ensino os possibilitam convencer facilmente os colegas do grupo, e isso por meio de diversos canais sociais inseridos na contínua e constante luta de classes.
Onde a função de tais ideologias é justamente deformar a concepção do ser político, social, histórico e produtor de valor de uso e valor de troca através e por meio do trabalho. No qual resultam no processo de mais valia (MARX, 1988). Por isso, para o filósofo ao unir a teoria e a prática humana é que o homem poderia saber as suas reais necessidades básicas, a política é o viés adequado para politizá-los. Sob este pensamento Roberto impõe a seus colegas a criação da organização, deste pensamento se sucede a luta de um grupo de cearenses comandados por um ser politizado e consciência para que possam buscar a igualdade da classe do proletariado e os burgueses. Na própria narrativa encontramos as vertentes teóricas de Marx aplicadas a luta travada,
Mas teve aplausos. Era simpatizante, novato no meio, um “marxista puro”. Enquanto falava, o auditório o mirava curiosamente, como se ele estivesse para vender. (QUEIROZ, 1979, p. 62)
Destarte, o narrador evidencia as claras uma das correntes teóricas em que Queiroz se inspirou para aprofundar o cenário de plano de fundo político a respeito da luta de classes, engajada nesta ideia também há uma fala singular de Samuel que mereceu destaque, pois ao tratar da representação do homem em seu estado político-social também se enquadra espaço para a mulher. Para Marx, associar o ser humano enquanto político, social e histórico que desempenhando um trabalho é necessário para a unificação do homem.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito traçado para esse trabalho tratava-se de representar a figura do homem no cenário político da geração crítica de 30 sob o viés de Muraca (2017), e analisar o papel das personagens, de acordo com a sua representatividade para construir o significante do texto. Ao longo do desenvolvimento foram criadas duas categorias para a análise dos personagens.
O cenário social e político, postulado pelas vertentes aristotélicas representam um conceito de representação, parte do conteúdo, a segregação racial compartilhada por um grupo social. Enquanto o aspecto de homem como animal político, aqui chamados como, sociais contribuem para a desconstrução desse conceito de unificação, contradizendo-os e construindo uma imagem a respeito do que era o indivíduo naquele contexto.
Por fim, pretende-se ter atingido o objetivo de relacionar as representações que o homem como um indivíduo social e como animal político busca ao longo de sua construção pessoal, histórica, cultural e política permear-se na comunidade, em Caminho de Pedras há de modo misturado várias vertentes raciais e sociais que contemplam uma miscigenação, assim como esses reflexos políticos voltam-se para as vivências dos personagens.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Política. Livro Primeiro, Capítulo I. Editora: Martin Claret, SP, 2004.Disponível em: <https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/aristoteles/>. Acessado em: 20 de jul. 2019.
CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo, Editora: Ática, 2006.
ENGELS, F.; MARX, K. A Ideologia Alemã. São Paulo, Editora; Boitempo, 2005.
MURACA, H. Márcio. Uma visão de Caminho de pedras, de Rachel de Queiroz. Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 10, n. 18, maio 2016. ISSN: 1982--‐‑3053.
QUEIROZ, Rachel de. Caminho de Pedras. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. 7ª Ed. 1979.
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